Estar junto

[#141] Estive pensando numa possível vida a dois na Capital do Inferno, mas a coisa está complicando. Está certo que a cada dia os relacionamentos ficam mais complexos, e a idéia de um casal tradicional (formado por duas pessoas, cada uma de um sexo, cada uma desejando o sexo oposto) está, felizmente, indo por água abaixo. Independente da configuração do amor entre as pessoas, "amar" é, de certa forma, estar junto. Me refiro a estar fisicamente junto - os internéticos que me perdoem, mas namorar a distância é uma piada. Na Capital do Inferno, estar junto é um sacrifício, principalmente em dias de chuva mais intensa: cada pessoa tem que andar com seu guarda-chuva, se não quiser sair tropicando por aí.

A dois

[#140] Já devo ter comentado, por aqui, que o inverno só é bom quando se tem companhia (amorosa, de preferência). Existe outra forma de adorar ficar na cama, debaixo de uma tonelada de cobertores, vendo filme e bebendo vinho? Pois é, agora estou eu a procura de companhia, porque talvez seja essa a melhor forma de dar um fim a este blog, mesmo que ele não alcance seu objetivo de 1 milhão de postagens. Minha teoria é que, estando no Inferno, é possível conseguir de tudo, menos companhia. Ninguém por aqui está preparado para uma vida saudável a dois.

Peço, mas você não vem

[#139] Mais uma de música: Samba de verão, também do Caetano. Tinha que ser o Caetano! Vou mandar o link deste blog para ele. Quem sabe sai uma composição inovadora, falando mal da chuva ao invés de falar bem do sol? Virei fã desse sujeito.

Olha, é como o verão. Quente, o coração salta de repente para ver a menina que vem.

Meu coração gelado está louco para saltar assim de repente, porque um broto de amor foi plantado por aí, mas o sol não vem. Eu peço, mas ele não vem. Bem, deixa então. Falo só, digo ao céu, mas o sol não vem.

Me enche de alegria e preguiça

[#138] Eu vou, por entre fotos e nomes, os olhos cheios de cores, o peito cheio de amores vãos. Já falei ontem sobre o jornal "O Sol". Caetano Veloso era um dos caras dessa máfia, e até hoje essa música tem duplo sentido porque o sol que ele menciona pode ser a estrela sol, e pode ser o jornal O Sol. O nome da música é Alegria, alegria - e não podia ser outro. Acho que se aquele sol não estivesse ali, naquele verso, a história do Brasil não seria a mesma, e a MPB teria sido um movimento frustrado.

O sol nas bancas de revista

[#137] Nos anos 1960, uma galera revoltada do Rio de Janeiro realizou um jornal chamado "O Sol". Até o Ziraldo fez parte dessa equipe. Será que a escolha desse nome foi tão por acaso assim? Será que não seria tão mais atraente um jornal chamado "O Trovão", ou "A Tempestade", ou "O Frio"?

(Para quem não percebeu, eu fui irônico.)

Agora é hora

[#136] Pior do que chover é chover em horários de pico. Em outros lugares do Brasil, chove às 5:30, ou à noite, ou no meio da tarde. Na Capital do Inferno, não. Para se prevenir, anote aí os horários em que a chuva cai mais forte:

7:00
12:30
18:00
23:00
2:00

Para não esquecer, dá para associar esses horários com as principais tarefas que um cidadão tem que fazer fora de casa, principalmente transporte. Coisas básicas da rotina, como pegar ônibus para ir à aula, fazer intervalo de almoço, voltar para casa, ir para uma festa (ficar na fila) e voltar da festa. Terminou o dia e, se o cara não estiver ensopado, é porque andou de carro o tempo todo, carregando a casa no porta-malas para não faltar roupa seca, nem toalha, nem um guarda-chuva reserva.

Dando as costas

[#135] Acabo de terminar uma caminhada a passo de lesma, estou dentro de uma sala que não é arejada nem abafada, e minhas costas ficam geladas quando a camiseta, molhada pelo suor, encosta nelas. Quem disse que dá para tirar a camiseta? Quem disse? Hã?

Última parada

[#134] A gente pensa que o centro cultural do Brasil é o eixo Rio-São Paulo. Sim, é. Alguns eventos, entretanto, passam pela Capital do Inferno depois de percorrer outras capitais (normalmente, paradisíacas). Esses tempos, uma atração internacional já havia passado por Fortaleza, João Pessoa, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e, antes de chegar a Buenos Aires (Argentina), resolveu parar na Capital do Inferno por uns dias. A produtora que trouxe o evento para o Brasil estava recrutando empregados temporários em todas as cidades, sendo que os recrutados nas primeiras cidades poderiam permanecer durante toda a turnê ou sair do emprego quando o evento fosse para a próxima parada. Obviamente, a Capital do Inferno era a última cidade a ser visitada no Brasil. Obviamente, já restava só meia dúzia de vagas, nos piores cargos. Obviamente, eu tentei ocupar uma dessas vagas porque sou chinelão e estou sempre precisando de grana. Obviamente, não consegui.

Férias

[#133] O clima bom é tão raro, na Capital do Inferno, que é sinônimo de férias. Aliás, o maior período de férias do ano é sempre o mais quente, em qualquer país do mundo. Na Capital do Inferno, nossas "férias" são tão murchas que sequer parece que estamos num período de tranqüilidade. Chove igual, tem dias que são mais frios, tem o mesmo marasmo de sempre, tem menos pessoas na cidade (quem pode vai embora), tudo é um horror. Passar as "férias" na Capital do Inferno é um castigo, não um prêmio pela produtividade laboral do ano. Não estamos nem em novembro e eu aqui, pensando em tirar uma licença permanente desse ambiente infernal.

Partido em mil pedaços

[#132] Ontem, num raro momento de sol, um dos meus cachorros defecou no pátio de casa (depois de muito tempo fazendo suas necessidades no meio da sala). Tive que sair e deixei para juntar as fezes só no fim do dia, quando voltei para casa. Qual não foi a minha surpresa quando, no fim do dia, choveu, e o cocô que era só juntar com um saco plástico se transformou numa grande merda mole e fedorenta esparramada pelo chão. Cuidar de outros seres vivos não é nada fácil na Capital do Inferno, ainda mais se "cuidar" inclui juntar cocô do chão num dia de chuva. Senhor, dai-me paciência.

Perversos rituais

[#131] Eu não sou tarado e pervertido, mas estive pensando nos peitinhos dela. Se para entrar no banho, na Capital do Inferno, é necessário todo um ritual de iniciação ao chuveiro, imagine as complicações do ritual de iniciação à cama.

Amores brutos

[#130] Há muito tempo eu não faço uma porção de coisas, como beber, ir a festas, fumar e levar meus cachorros para passear. Há muito tempo, também, não me apaixono. Por sinal, vinda de mim, a paixão é praticamente uma piada, de tão amargurado que sou. Posso odiar um milhão de coisas, mas tem pessoas que se salvam, e uma delas agora é vítima da minha flecha envenenada. Na Capital do Inferno, até o amor ganha outros ares.

Imagine que o menino e a menina marcam um encontro. O menino talvez coloque um perfume, mas a menina tem que tomar um banho num ofurô, tem que se depilar, tem que fazer chapinha, tem que estar com as unhas pintadas (sem cutículas!), tem que usar uma blusa nova, tem que ser perfeita. Elas se preocupam com um monte de coisinhas ridículas, mas graças a isso elas parecem umas princesas no primeiro encontro.

E a nós, que gostamos de ver uns peitinhos atrevidos se espremendo num decote, resta rezar para que não caia chuva, para que não vente e para que não esteja frio no dia do primeiro encontro. Ou ela virá entrouxada, usando gorro, luvas, botas de couro, estará parecendo um homenzinho. Casacos e mais casacos não farão mais do que esconder o corpo e privá-lo do toque. Fazer carícias pra quê, se no meio do caminho existem camadas de lã, algodão, nylon e espuma? O que é que a menina vai sentir, desse jeito? O que é que eu vou sentir, desse jeito? Tesão? Nem fodendo. Quer dizer...

Estou furioso. Na Capital do Inferno, os corpos não têm liberdade para respirar, para se mostrar, para serem apreciados e apalpados. Quem diz que amor carnal não é amor está enganado. Não existe paixão por uma pessoa sem corpo (aí é adoração, totemismo, fanatismo, qualquer coisa - menos paixão)! O amor precisa de cuerpos calientes para se misturar à paixão e entupir de felicidade os pombinhos apaixonados. Eu talvez seja um cuerpo caliente na Capital do Inferno, mas minha alma gêmea precisará de muitas polainas para sair de casa a caminho do nosso primeiro encontro. Caralho, nada de peitinhos, dessa vez.

Descargo de consciência

[#129] Que fique bem claro: eu não odeio a chuva, nem o frio, nem o vento. O que eu odeio é a forma como essas manifestações brutais da natureza interagem na Capital do Inferno. Parece que nada dá certo. E eu odeio mais ainda a insistência do homem em lutar contra essas forças da natureza. O ser humano não foi criado para viver nessas condições, então para quê insistir? Para quê teimar em ter o que não está a nosso alcance?

Nós arrancamos peles de animais, sacrificando-os, para nos aquecer. Nós queimamos sua carne para não morrer de fome. Nós usamos seus chifres para atrair outros animais a caminho do abate. Nós tiramos seu leite porque a água, quando existe, está gelada ou congelada. Nós começamos a brigar entre nós porque os animais que matamos não se reproduzem infinitamente. Nós começamos a nos odiar, mas precisamos de companhia e acabamos nos apegando a outros animais. E só então nos damos conta de que estamos no lugar errado. Estamos no lugar errado.

Eu digo isso porque existem outras formas de sobreviver, sem prejudicar a natureza em larga escala e sem sacrificar animais. Talvez a minha ação não faça diferença (o que se dirá, então, da minha palavra?), mas pelo menos eu ficarei com a consciência limpa. O próximo passo é daqui para fora, para bem longe. É como diz um amigo meu, como já comentei neste blog: nascer na Capital do Inferno é destino; viver aqui é burrice.

Quanto mais Elvis

[#128] Com um vento forte como o que tem corrido pelas ruas da Capital do Inferno, adianta se pentear? Adianta ir ao cabeleireiro? Adianta dormir cheio de rolos? Adianta fazer chapinha? Adianta passar um creme ou um gel? Elvis Presley estaria falido na Capital do Inferno. Norma Jean teria o vestido levantado até o queixo. Amy Winehouse pareceria careca se seus suportes de peruca fossem arrancados à força. Charles Chaplin sem seu chapéu-coco seria apenas um cara de terno e gravata. E nós, simples mortais, que todos os dias pegamos ônibus para trabalhar, freqüentamos aulas à noite, cuidamos da casa e ainda temos que dormir, nós temos que engolir em seco. Basta vestir aquela velha japona de 300 kg, calçar uma bota que pesa outros 100 kg, cachecóis gordos o suficiente para prejudicar a aerodinâmica e, pronto, que o vento nos rache a cara. Quase não se consegue andar, com tanta roupa pesada, mas esse é o segredo de quem mora na Capital do Inferno e tem que aturar ventanias.

Quanto mais feio

[#127] Semana de sol, fim-de-semana chuvoso, e a semana seguinte chegou mantendo a versatilidade: vento. Não um vento qualquer, provocado por uma edificação inadequada, mas uma ventania por toda a cidade, apavorando velhinhos de bengala, moradores de rua, motoqueiros, ciclistas, todo mundo. Acabei lembrando de uma música do Matanza, chamada "Quanto mais feio", que diz:

Se você acha que onde eu vivo é lamacento
Pro seu conhecimento para mim é como um lar
Depois que pára de chover começa o vento
E anoitece antes que em qualquer outro lugar


Até parece a Capital do Inferno! Afinal, por aqui, quanto mais feio, mais sujo e mais violento é o cidadão, maior é a sensação de pertencimento a esta cidade.

Água nas canelas

[#126] Dia frio com chuva. De novo! O sobrevivente da Capital do Inferno veste uma calça, pois está com frio, e como ele é uma pessoa ligada, usa um calçado impermeável. Sai a caminhar, infeliz e descontente, rumo às suas obrigações rotineiras. (Sim, porque para sair de casa com esse clima, só mesmo sendo obrigado.) Com raiva do dia, sai chutando os pombos e pisoteando as poças de água sem se importar com os respingos, já que suas meias não ficarão molhadas. Porém a calça vai molhar, e como evitar isso? Dobrando a barra, obviamente. Peraí. Dobrando? Isso quer dizer que, para não sujar a calça com a água suja da rua, é melhor andar de calças curtas, em pleno Inferno? E se for mulher? E se ela não estiver depilada? E se for uma pessoa prevenida, que resolve usar polainas por baixo das calças largas? Ah, se dobrar a boca da calça fosse uma coisa simples!

Aliás, não é preciso nem andar para sofrer com a chuva multidirecional: mesmo estando parada à espera de um ônibus, uma pessoa fica toda molhada dos joelhos para baixo (lembre-se da postagem de ontem, que prova que, aqui, a chuva não cai somente de cima para baixo), então não adianta nada usar uma calça comprida. Frio, o coitado sentiria do mesmo jeito, pois a roupa molhada provoca frio. Dobrar a calça, dobrar a calça. Aham, Cláudia, senta lá.

... Quer saber? O negócio é revestir o corpo com uma roupa plástica, suar frio e dar boas-vindas às frieiras, fungos e micoses.

Sai de baixo

[#125] Alguém me explica, por favor, usando o raciocínio lógico, que chuva é essa que não cai de cima para baixo. Só na Capital do Inferno ocorre esse fenômeno bárbaro, caracterizado por pingos de chuva se propagando em todos os sentidos e direções. De que adianta ter um guarda-chuva, se mesmo usando um surgem pingos de chuva no lado interno da lente do óculos?

Pois vou contar o meu drama pessoal de utilizar o computador num porão. Me instalei num lugar da casa que fica abaixo do nível do mar, ou melhor, da terra. A janela tem abas de vidro que ficam voltadas para baixo (lógico. Do contrário, esta sala seria um bueiro). Lá fora, a chuva cai. Aqui dentro, a chuva respinga na tela do meu computador, que fica em cima de uma mesa, junto da parede oposta à da janela. COMO? Eu já chequei o teto em busca de goteiras, e nada. Mesmo se houvesse uma goteira bem acima do meu computador, os pingos não cairiam na diagonal, cairiam? Pois é.

Fiz até um esquema para ilustrar:


Se alguém tentasse acertar um pingo desse jeito, aqui, não conseguiria. Será que é um sinal? Será que eu tenho um campo magnético, elétrico, alguma áurea ou força sobrenatural ao redor do meu ser, que atrai água sem que eu tenha controle sobre mim mesmo?

Boicote à Gillette

[#124] Por falar em molhar, descobri uma técnica de barbeação/depilação que é infalível: primeiro, lavar a pele com água quente, para abrir os poros. Depois de fazer o serviço, lavar a pele com água fria para fechar os poros (e dificultar o crescimento dos pelos). Talvez dê certo, talvez provoque espinhas.

Na Capital do Inferno, socorro, passar água fria no rosto, nas pernas, nas axilas, onde for... Nem pagando! Ainda mais depois de ficar um bom tempo nessa ladainha de arranca-pelos. Fodam-se os pelos que não deveriam crescer. O negócio aqui é ser lobisomem dia e noite, é ser mulher barbada e virar atração circense. Reina o boicote à Gillette e suas lâminas perigosas.

Mulher barbada

[#123] Outra desvantagem de ser mulher e ter pelos na Capital do Inferno é que o homem, para fazer a barba, molha o rosto e deu. A mulher, para se depilar (pelo menos com gilete), tem que tomar um banho demorado e molhar o corpo inteiro. E isso não é muito agradável na Capital do Inferno.

Navalha na carne

[#122] Se, para um homem, fazer a barba é uma tortura diária, o que dizer da versão feminina dessa história? Só de pensar que as mulheres têm uma área muito maior de pelos que não deveriam estar lá, eu tenho um calafrio. Sovaco, virilha, coxas, canela. Felizmente, são partes do corpo que ficam escondidas no inverno. O problema é que, na Capital do Inferno, não é inverno sempre. O clima é inconstante. É uma cidade de temperaturas extremas que se alternam indefinidamente. Chega setembro e usamos, num mesmo dia, chinelo e bota, manga curta e luvas, guarda-chuva e boné.

Nisso, uma mulher se veste para a sua rotina e, por volta do meio-dia, vai almoçar com os colegas de trabalho e resolve tirar a japona. Come, esquenta o corpo e tira a blusa de mangas compridas, fica só de regata. Levanta o braço para pedir a conta e... ops! Um sovaco peludo! Ai, que coisa mais nojenta. Na hora ela abaixa o braço, morrendo de vergonha, e prefere passar calor a ter que exibir seu desleixo.

Ela chega em casa, pensa "que merda, tenho que me depilar urgentemente". Está decidida a passar a gilete onde quer que haja um pelo medonho. Vai para debaixo do chuveiro, se molha com água quente e desliga a ducha. Brrr, choque térmico. Submetidos ao ar frio, os pêlos das pernas se eriçam e, vup, são decepados pela poderosa lâmina. Mais um jato de água, para se desfazer dos restos de sabão, e a infeliz só nota que está com as pernas cheias de feridas na hora em que vai se secar. Por quê? Porque a poderosa lâmina acaba arrancando, também, os pontos de pele onde nascem os pelos. Pronto, agora ela tem que usar calça comprida até que essas feridas se curem. Até lá, os pelos já crescerão novamente e não adiantou nada o desespero para se depilar.

Acho que, pior do que isso, só mesmo sendo travesti, ou transexual.

Barba

[#121] Todo homem sabe como é cansativo ter que fazer a barba. Alguns têm que fazer isso todo dia, outros dão um intervalo maior para parecerem mais charmosos. Na Capital do Inferno, essa prática é uma tortura. Para começar, logo que acordamos, temos que passar na cara aquele creme gelado ou uma espuma de sabonete. Veja bem, gelado. Espuma quente não existe. Passamos a gilete, ok. E, por último, o momento derradeiro: lavar o rosto. Mais um banho de água gelada nas bochechas, esfregando bem para não ficarem resíduos de espuma. Lavar a cara para acordar, tudo bem, é um momento do dia que pode ser abolido (com a conseqüência de ficarmos com cara de sono, e com sono, o dia inteiro). Mas com a barba, não tem o que fazer. Ou, talvez, deixar crescer e ficar usando um enorme cachecol, que tapa até o nariz, até criar coragem e fazer a barba de novo.

Chuta que é macumba

[#120] No desespero, uma opção é apelar à religião. Criar fé. Sendo uma pessoa alternativa, como sou, obviamente não vou escolher uma religião tradicional. E, estando no Inferno, é melhor abraçar o diabo e praticar logo a quimbanda, porque a umbanda já está pra lá de ultrapassada, e é religião para crianças índigo. Numa dessas, resolvi sacrificar uma galinha e fazer uma oferenda a um Exu, amigo meu, para ver se dou um fim aos meus problemas. Então, me vesti de branco e fui para uma esquina num bairro bem distante do meu. Ajeitei no tecido vermelho a pipoca, a galinha, a cachaça, as rosas... E as velas. Comprei velas de sete dias, aromatizadas, sendo que duas têm três cores, que é para ter certeza de que a muamba vai funcionar. Enquanto eu voltava para casa de madrugada, começou a ventar. Conforme eu caminhava na direção do meu bairro, o vento começou a ficar mais gelado e eu pensei "putz, vai chover". Chovendo ou não, com certeza àquela altura as minhas velas já haviam apagado e eu caí na real: a macumba não ia dar certo. Obrigado, Capital do Inferno, mais uma vez, por destruir meus planos. Não consigo mais nem ser religioso. Se eu estivesse num lugar com menos umidade, vento na medida certa e chuva nas horas necessárias, minha oferenda chegaria ao Exu sem percalços. Melhor ainda, eu não teria que fazer oferenda nenhuma. Ou, quem sabe, agradeceria a Iemanjá por levar o mar aos meus pés, todo santo dia. Já em casa, quando encostei a cabeça no travesseiro, mentalmente eu chutei o balde e me converti ao ateísmo.

Crepúsculos e eclipses

[#119] Com o sucesso de filmes como Crepúsculo e Eclipse, por quê não comemorar, tendo nascido na Capital do Inferno? Excetuando-se o fato de que tudo é muito mórbido, esta cidade é berço de vampiros. Muita gente que nasce aqui acaba se acostumando com o clima gélido e cria repulsão pelo sol. (Tanto que, para se auto-afirmar, entretêm outras pessoas com conversas sobre vinho e cobertor de orelha - papo furado, principalmente para quem é chinelão e assume a solteirice.) Isso explica o excesso de brancura da pele dos nativos daqui. Brancos porque vampiros, ou vampiros porque brancos?

"Se o ovo veio antes da galinha ou vice-versa, não interessa. Estamos na onda do Crepúsculo e o negócio é se grudar nesse filme, antes que os discípulos de Glauber Rocha apareçam com uma nova versão de Deus e o diabo na Terra do Sol e repassem a fama aos nordestinos." Um tanto bairrista e provinciano, este pensamento, não? Típico da Capital do Inferno! Bem-vindo ao cerco!

Férias

[#118] O clima é tão ruim, na Capital do Inferno, que verão é sinônimo de férias. Aqui, até existe aquela bobagem chamada "horário de verão". Nosso verão é tão raro que seus dias têm que parecer mais longos para compensar a falta de sol, de vontade, de ânimo e de sorrisos ao longo do ano. Tanto é ilusória, essa sensação de que os dias são mais compridos, que dura pouco.

Turismo urbano

[#117] Esses tempos, passei uns dias no México, em Guadalajara, e me informei sobre opções de turismo para conhecer a cidade e as cidades vizinhas (Tlaquepaque, Zapopán e Tonalá). Havia um ônibus turístico que fazia essa volta enorme, cobrando um preço único por dia, e quem pagasse podia entrar e sair do ônibus quantas vezes quisesse, ao longo de um dia.

Na Capital do Inferno, também existe um ônibus que funciona mais ou menos assim. Se chama "Linha Turismo", e passa pelos pontos mais marcantes da cidade, se é que existe algum. Só que o ônibus daqui tem um defeito: ele não tem teto. Bom, na verdade, é um ônibus de dois andares e o andar de cima é a céu aberto como qualquer esgoto daqui. Agora me diz: qual é a moral de existir um ônibus "a céu aberto" na Capital do Inferno, onde chove (muito) todos os dias? E quem é que paga caro para andar num ônibus que tem a pretensão de mostrar coisas, se as janelas do ônibus embaçam quando chove e quem está dentro não consegue enxergar merda nenhuma?

Não tem cabimento. Nesta cidade, só acontecem coisas de que até Deus duvida. Eu mesma estou começando a duvidar de que eu ainda estou vivo, morando neste Inferno.

Debaixo dos caracóis

[#116] Dizem que o cabelo começa a estragar com o verão: fica seco, fica quebrado, parece uma palha, dá nó, etc. Pode ser que o meu cabelo seja perfeito como o de uma Barbie, mas provavelmente não é - então, o que vou falar a respeito de cabelos vale para todos. Quando chega o inverno (a maior parte do ano, na Capital do Inferno), a gente começa a tomar banho quente, certo? Ok, só os que têm chuveiro elétrico ou a gás. Mas vamos desconsiderar os que não têm. Dentre os que sobram, quantos têm grana e tempo para cuidar dos cabelos, comprando cremes e fazendo escova? Uma minoria não representativa. Na parcela da classe média (que toma banho quente mas não pode cuidar da aparência dos cabelos), reina o sofrimento: a água quente torna os cabelos mais frágeis, e não há xampu que resolva. Os fios ficam com os poros abertos, portanto estão mais sujeitos a acumular sujeira. Mesmo que o cidadão fique uma hora fazendo escova antes de sair de casa, o cabelo vai acumular umidade. Isso quer dizer que vai ficar todo espetado e vai parecer uma palha. Para baixar os fios rebeldes, a criatura usa mais cremes, faz chapinha, passa água fria, passa sabão a seco, passa laquê, usa um boné, faz tererê, prende num rabo, faz o diabo a quatro... Para chegar no fim do dia com o cabelo ainda mais sujo, mais duro e com um penteado pra lá de fashion, moldado exclusivamente pelo gorro de lã que, na verdade, foi colocado para proteger a testa do frio, e não para esconder o cabelo feio. Caracóis pra quê?

Vozes do além

[#115] Tenho traumas com a música. Quando eu era criança, fazia aula de artes plásticas e uma professora resolveu nos animar, cantando e tocando violão depois da aula. Ela cantava músicas sobre nuvens coloridas e bichinhos fofinhos, e eu odiava aquilo tudo. Odiava o violão, odiava as músicas, odiava aquela intrusa na aula de artes... Acabei odiando cantar e odiando a minha própria voz por muitos e muitos anos.

Depois eu cresci e quis montar uma banda. Tentei tocar violão, teclado e guitarra, aprendi a tocar bateria a partir de material teórico na internet... E nada deu certo. Eu realmente não tinha talento para a música. Aí resolvi então me focar nos trabalhos de backstage. Fosse roadie ou fosse groupie, pelo menos estaria junto da música.

Até que hoje, décadas depois, comecei a tentar o que eu nunca tinha tentado: cantar. Aprendi a afinar a voz de diferentes maneiras, passei a cantar no chuveiro, na rua, na chuva, na fazenda. Canto e melhoro a vida...

(...Só mesmo nos meus sonhos, porque na dura realidade do meu cotidiano, as coisas são um pouco diferentes: alterações climáticas em tempo recorde, chuva o tempo todo e bebedouros que só têm água gelada. O resultado disso não poderia ser outro senão rouquidão, catarro, disfonia e, o pior de tudo, fanhez. Não dá para acreditar, a Capital do Inferno acabou com minhas esperanças de ser alguém no mundo da música.)

A dança dos desesperados

[#114] A dança da chuva, supostamente originária de algum folclore indígena, virou brincadeira de criança. Na Capital do Inferno, essa dança é coisa séria, e deveria se tornar um tabu, algo proibido e cercado de mistérios. Posso até imaginar seitas se criando em favor das chuvaradas, tão indesejadas nesta cidade amaldiçoada. Para dar exemplos: em duas horas de chuva, um pluviômetro chega a registrar 30 mm; em um (UM!) dia de julho, chove 24% do volume pluvial que costuma ter essa época, todo ano; entre 6h e 11h, quase 40 acidentes de trânsito ocorrem graças ao transtorno urbano; postes caem, semáforos deixam de funcionar, enchentes se formam, os carros não andam enquanto a água se acumula sob seus motores e enferruja sua lataria. Em uma manhã, o telefone para emergências recebe quase 600 chamadas.

Neste blog, eu costumo carregar de drama todas as informações (elas são verídicas, apenas ganham emoção quando contadas com as minhas palavras)... Mas os dados que acabei de mencionar são reais e estão limpos de opinião. O mais intrigante é que TUDO ISSO aconteceu em uma manhã. Acontece sempre, mas teve essa manhã maldita que foi premiada com todos os males trazidos pela chuva.

Então, em homenagem aos feridos nos acidentes desse dia, e também em homenagem a todas as pessoas que chegaram atrasadas no trabalho por causa do caos pluvial, hoje eu criei a dança do sol. Será meu ritual pessoal, diário, para que a chuva comece a cair onde a terra seca precisa dela, e não na minha cabeça.

Лето в Москве

[#113] Chuva, vento e frio na Capital do Inferno. Verão em Moscou, como diz o título desta postagem. A Rússia sempre foi uma referência em clima gelado, mas esse ano eu não posso dizer que a Capital do Inferno é tão gélida quanto Moscou. Quem acompanhou as notícias (e mesmo quem não acompanhou, como eu) está sabendo que o verão foi muito quente lá praqueles lados. É, até na Rússia bate sol.

Alpargatas

[#112] E o meu motivo de hoje é uma "homenagem" a um elemento gauchesco. As alpargatas mais roots da Capital do Inferno são feitas de tecido e a sola é uma corda enrolada e costurada. Dizem que alpargata não se lava porque dá chulé. Lavando, propositalmente ou não, eu sei que a sola da alpargata, quando molha, enverga e endurece. Fica côncava como uma colher e dura que nem um pau. Dá até para bater com a alpargata numa mesa, numa porta, ou mesmo no chão, para ver o barulho de toc-toc que dá!

Enfim, essa ladainha toda para contar que hoje, 1º de setembro, eu faço aniversário e o dia nasceu ensolarado. Cheguei até a ficar feliz, mas parece que o cara lá de cima não gosta do meu sorriso e sempre dá um jeito de terminar com a minha felicidade. Moral da história: lá pela metade do dia, o céu começou a nublar (vi pessoas carregando guarda-chuvas à toa), e assim que eu enfiei o pé dentro de um ônibus, começou a chover. Eu só voltaria para casa à noite, estava sem guarda-chuva... Ok, até aqui a história não tem novidade nenhuma. É essa a minha rotina, como já escrevi aqui um milhão de vezes. O detalhe de hoje é que eu estava calçando alpargatas!

Tive que caminhar por calçadas úmidas, grama molhada, e graças a deus eu tenho pique para pular sobre poças de água, senão eu estaria fodido. Cheguei em casa e parecia que eu estava de salto alto, de tão dura e envergada que estava a sola do calçado. E eu não consigo acreditar que é um "símbolo de gauchismo". Não tem razão nenhuma usar alpargatas na Capital do Inferno.

De brinde, uma foto deste estranho calçado, para quem não conhece:

Cansei do inverno

[#111] Ontem, último dia de agosto, passei muito tempo meditando e acabei não postando nada. Então, hoje, vou divulgar uma ação publicitária (argh...) que está sendo feita pela agência em que uma amiga minha trabalha. Obviamente eu me apeguei muito à causa e fui a décima pessoa a assinar o formulário do site. Na verdade, eu nem sei do quê se trata, mas tem um vídeo no site que diz tudo sobre a merda que é viver num inverno que nunca acaba. Então, divulgando para os meus súditos imaginários, os caros e raros leitores deste blog infernal, lá vai o link:

Cansei do inverno [Gang]