Amores brutos

[#130] Há muito tempo eu não faço uma porção de coisas, como beber, ir a festas, fumar e levar meus cachorros para passear. Há muito tempo, também, não me apaixono. Por sinal, vinda de mim, a paixão é praticamente uma piada, de tão amargurado que sou. Posso odiar um milhão de coisas, mas tem pessoas que se salvam, e uma delas agora é vítima da minha flecha envenenada. Na Capital do Inferno, até o amor ganha outros ares.

Imagine que o menino e a menina marcam um encontro. O menino talvez coloque um perfume, mas a menina tem que tomar um banho num ofurô, tem que se depilar, tem que fazer chapinha, tem que estar com as unhas pintadas (sem cutículas!), tem que usar uma blusa nova, tem que ser perfeita. Elas se preocupam com um monte de coisinhas ridículas, mas graças a isso elas parecem umas princesas no primeiro encontro.

E a nós, que gostamos de ver uns peitinhos atrevidos se espremendo num decote, resta rezar para que não caia chuva, para que não vente e para que não esteja frio no dia do primeiro encontro. Ou ela virá entrouxada, usando gorro, luvas, botas de couro, estará parecendo um homenzinho. Casacos e mais casacos não farão mais do que esconder o corpo e privá-lo do toque. Fazer carícias pra quê, se no meio do caminho existem camadas de lã, algodão, nylon e espuma? O que é que a menina vai sentir, desse jeito? O que é que eu vou sentir, desse jeito? Tesão? Nem fodendo. Quer dizer...

Estou furioso. Na Capital do Inferno, os corpos não têm liberdade para respirar, para se mostrar, para serem apreciados e apalpados. Quem diz que amor carnal não é amor está enganado. Não existe paixão por uma pessoa sem corpo (aí é adoração, totemismo, fanatismo, qualquer coisa - menos paixão)! O amor precisa de cuerpos calientes para se misturar à paixão e entupir de felicidade os pombinhos apaixonados. Eu talvez seja um cuerpo caliente na Capital do Inferno, mas minha alma gêmea precisará de muitas polainas para sair de casa a caminho do nosso primeiro encontro. Caralho, nada de peitinhos, dessa vez.