Quem vê cara?

[#157] Um querido amigay disse que prefere o inverno ao verão porque assim ele pode desfilar pelas ruas exibindo sua magnífica coleção de esvoaçantes cachecóis, parecendo ainda mais gay. Nada contra os gays (muito pelo contrário, já que eu mesmo jogo nos dois times), mas percebi pela atitude dele que, aqui, as pessoas se afirmam pela roupa que usam. As pessoas dependem da roupa. E ai de quem repetir o mesmo blusão durante a semana. Como se as características físicas, que são mais pessoais e intransferíveis do que qualquer título, são mais marcantes do que qualquer figurino, não valessem coisa alguma. Aqui, se reconhece alguém porque "usa sempre botas de cano alto", e não porque "tem sobrancelha grossa e cabelo ondulado". A roupa esconde tudo, menos a falsidade de quem se define mais pela roupa do que por si mesmo.

Encravado na pele

[#156] É difícil tomar banho - seja pelo choque térmico, seja pela economia de água e luz, seja pela falta de vontade de tirar a roupa. Então, o melhor é evitar. Mas eu não evitei, e o resultado é minha pele indecisa por causa da água morna. Meu rosto fica todo gorduroso porque eu não gosto de ficar lavando-o o tempo inteiro, como já me recomendaram mil dermatologistas, mas quando eu saio do banho ele fica meio seco por causa da água quente. Chega até a descascar um pouquinho. Eu já nem sei que bichos devem ter se desenvolvido no fundo dos meus poros, além dos ácaros e bactérias. Tenho medo do que pode acontecer com minha pele se eu continuar vivendo neste inferno.

Futebol de rua

[#155] As pessoas pensam que aqui não há vilas nem favelas, que a Capital do Inferno é lugar de riqueza, prosperidade e abundância. É mentira. Tem muito garotinho que passa a tarde jogando bola na rua... Ops, desculpa, ato falho. Não tem como jogar bola na rua. Nesta capital de colinas, é impossível fazer qualquer coisa que normalmente se faz em espaços planos horizontais. Futebol no meio da rua? Nem sonhando.

Sport lifestyle

[#154] A prática de esportes é cada vez mais bem-vinda à rotina das pessoas. Pelo menos, deveria ser. Futebol, vôlei, basquete, corrida, ciclismo, tênis, natação, golfe, surfe. São tantas as possibilidades! Para praticar qualquer esporte, às vezes é necessário ter companhia (um time, uma dupla...), quase sempre é preciso investir algum dinheiro e, sempre, ter tempo e um lugar para praticar é fundamental.

Na Capital do Inferno, temos até quadras de tênis em algumas praças públicas. Meus cachorros costumam fazer buracos que posso usar para jogar golfe. O problema daqui é que os melhores esportes, os mais tradicionais, são ao ar livre. Para quem gosta de ficar num treino artificial como ocorre nas academias, e pode pagar por isso, tudo bem, ótimo. Existe um pedaço da população que só tem como opção as ruas e as quadras públicas.

Num lugar onde a chuva nunca pára e, quando ela resolve dar uma pausa, surge um vento frio, é viável praticar esportes ao ar livre? Jamais. Muito menos com regularidade, como os esportes exigem. Os esportes indoor requerem um investimento financeiro muito mais alto, que podem ir desde comprar um quimono de 90 reais até investir em halteres, bicicleta ergométrica, luvas. Ou se paga por uma academia. Ou se paga por um personal trainer. Ou se apela ao pilates, nos espaços de tratamento ortopédico.

Ou se é rico, ou não se faz merda nenhuma. Vamos todos nos transformar em gordos flácidos, cheios de estrias. Malditos sedentários comedores de bacon, viciados em churrasco. O esporte preferido dos sobreviventes da Capital do Inferno é, sem dúvida, o levantamento de garfo.

Desumanidade

[#153] Eu não uso Twitter, mas andei lendo uns tweets de amigos que já se cansaram do inverno. Um estava se sentindo um boto, com tanta roupa. Outra, um pingüim porque não conseguia se mexer. Um cara disse que parecia um boneco de neve. Na Capital do Inferno, as pessoas se sentem qualquer coisa, menos seres humanos. É a cidade mais naturalmente desumana do mundo.

Chafariz

[#152] De quem foi a idéia de jerico de construir uma fonte enorme bem no meio do maior parque da Capital do Inferno? Estava eu lá no gramado desse parque, meditando e fazendo yoga, quando de repente sinto uns pingos nas costas. O dia estava nublado, para variar, e achei que fosse chuva. "Quem está na chuva é para se molhar", diz o ditado, e como eu havia ligado o botãozinho do foda-se, mandei a "chuva" à merda e continuei minha meditação. Nada teria força maior do que o meu transe! Depois de alguns segundos, parou. Depois os pingos voltaram. E pararam, e voltaram, e pararam, e voltaram. Entre um Om e outro, eu pensava "que merda é essa?"

Saí do transe, virei para trás e vi aquele chafariz enorme espirrando água na direção do vento. A cada lufada, uma nuvem saía das águas do chafariz. Por isso que o chão fica molhado até uns 10 metros ao redor da fonte. Planejamento urbano é tudo.

Prometeu

[#151] Finalmente, UM dia de sol em pleno Inferno. Foi ontem. Quisera eu que fosse o primeiro de muitos. Todos os dias, quando acordo, olho para a janela e o que eu vejo define o meu dia. Ontem, pela primeira vez em muitos meses, eu vi sol. Tímido, tentando se esconder sob algumas nuvens, ele brilhava e me convidava para curtir o dia. Eu não pensei duas vezes, apertei o botãozinho do foda-se e fiz tudo o que eu queria. Não estudei para a prova de hoje, não fui trabalhar voluntariamente, não li o material do projeto de pesquisa, não fiz nada que fosse obrigação. Almocei o que eu quis, na hora que deu fome, e passei a tarde confeccionando uma cabeça de palhaço, sentado no pátio dos fundos, TOMANDO BANHO DE SOL. Nada como unir o útil ao agradável, não? Me entupi de protetor solar, coloquei uma roupa de banho e fiquei horas fazendo papelagem naquela cabeça sorridente. Quatro horas da tarde, quando o sol já havia feito o seu serviço, eu estava me sentindo a pessoa mais poderosa do mundo, e fui correr. Depois da corrida, dei uma volta com o cachorro. Depois da volta com o cachorro, fui para a aula de circo. Depois da aula, fui jantar num bar com meus amigos circenses. Depois da janta, eu não queria nem saber de dormir. O dia estava maravilhoso, não podia terminar! Ainda consegui mandar um e-mail simpático para a pessoa por quem eu venho me apaixonando todos os dias. Quando pensei em meditar, terminou o meu conto de fadas.

Eu estava desligando o computador quando, ferindo o silêncio da noite, pingos de chuva começaram a bater no telhado, no pátio, nas portas e nas janelas. Eu só posso estar ficando louco. É o nirvana. Acho que transcendi. Não, eu estava inteiro, diante do computador. A chuva era real. Eu não podia acreditar, então comecei a sonhar antes mesmo de dormir. Acabei acordando tarde, e quando eu olhei pela janela, fiz questão de dormir de novo. Acordei mais uma vez, ainda mais tarde, sem um pingo de vontade de viver. Eu não sentia fome, nem frio, nem calor, nem amor, nem ódio, nem nada. Tive um dia insosso. Pior do que ter os piores sentimentos do mundo é não ter sentimento algum, como se nada ao meu redor pudesse me afetar. Estive todo atrapalhado, perdi as horas, troquei a ordem das atividades, não dei a mínima bola pra prova da faculdade. E estou assim até agora, ainda sem entender como é que pode existir um dia tão lindo e fantástico entre tantos e tantos dias horríveis. Como é que se pode ir do sol à chuva em tão pouco tempo?

De ontem para hoje, caí de um abismo. Como Prometeu, estou acorrentado numa rocha escura e gelada, e todos os dias vem um corvo comer o meu fígado. Para quem não conhece a saga do Prometeu, fica uma pista: seu maior crime foi ter roubado o fogo para dar aos mortais. E eu, mal e mal desejando um pouquinho de sol, já pago pelos pecados do mundo. Caramba, acho que este blog é a prova do meu crime.

Resistindo à resistência

[#150] Uma das características do chuveiro elétrico é ter que reduzir o volume de água para aumentar a temperatura da mesma. É assim que acabamos queimando resistências! Como se não bastasse consumir energia elétrica ao extremo, como se não bastasse gastar toda a água da caixa num banho de meia hora, como se não bastasse deixar os outros moradores na penumbra, ainda ficamos torrando resistências elétricas. A primeira desvantagem é que a resistência queimada se torna um lixo a mais no mundo, totalmente inútil. A segunda é que trocar resistência do chuveiro é um porre, além de ser perigoso. Tem que desligar os registros de água e luz, catar uma escada, ficar horas lá suando por apertar parafusos, usando luvas e sapatos de borracha. Que prato cheio para os eletricistas.

Ou isto, ou aquilo

[#149] Graças a todas as informações da postagem anterior, sobre o consumo de energia do chuveiro elétrico, podemos entender por quê todas as outras luzes da casa ficam mais fracas quando tem alguém no banho. Digamos que o chuveiro acaba "roubando" energia, e o que sobra fica mal distribuído entre os outros elementos que precisam de luz elétrica para funcionar.

Não sei quanto às outras pessoas, mas isso me deixa perplexo e indignado. Como se não bastasse já não termos a luz do dia para nos iluminar, também as lâmpadas domésticas praticamente não funcionam porque algo tão indispensável quanto elas, o chuveiro elétrico, também precisa funcionar. Tudo isso é uma grande merda, pois a impressão que tenho é de que tudo é indispensável!

Mais economias debaixo d'água

[#148] E na Capital do Inferno, a técnica milagrosa de desligar o chuveiro para se ensaboar evitaria também um desperdício de luz. Segundo a Wikipedia, um chuveiro elétrico a 120V ou 127V chega a consumir três vezes mais energia do que aparelhos de consumo pesado como aquecedores, ferros de passar roupa e secadores de cabelo. Em números, isso ultrapassa os 5000 W (o que equivaleria a várias horas de uso da geladeira ou do ar condicionado). Seria tão bom se nós aqui desta capital pudéssemos economizar essas energias, contribuindo positivamente com o ecossistema e evitando agressões ao meio ambiente. Tenho vergonha de ter nascido aqui.

Economias debaixo d'água

[#147] Uma dica que surgiu recentemente nos meios de comunicação, para evitar desperdício de água, foi "durante o banho, desligar o chuveiro enquanto passa sabonete no corpo e xampu no cabelo". Piada, né? Era pra rir? Desculpa, não me segurei.

Voltando ao banheiro

[#146] O pior dessa prática da "sauna" durante um banho quente na Capital do Inferno é o mofo que se forma no teto, nos cantos das paredes e nas juntas entre os azulejos, por causa do vapor. Quem disse que aquelas manchas pretas e verdes saem depois?

Saindo do banho

[#145] Estou tentando me lembrar da sensação de não tomar um choque térmico depois do banho. Saímos da água quente, a janela do banheiro está fechada para o calor não ir embora, os espelhos estão embaçados, o banheiro parece uma sauna de tanto vapor. Pegamos logo a toalha e ficamos tiritando por uns 10 segundos, até conseguir voltar a se mexer. Sabe, não consigo me conformar com esse tipo de coisa. É anti-humano.

Uma terra vampiresca

[#144] Andei reunindo esforços mentais e, cada dia, estou mais inclinado a crer que a Capital do Inferno é um berço de vampiros. Veja bem:

- Somos branquelos como folhas de papel.
- Vivemos eternamente na noite, já que o dia é tão escuro quanto a noite.
- Temos aversão à luz do sol (com direito a insolação, pele descascada e ardências).
- Temos a simpatia dos anticristos.
- Chupamos sangue (quem daqui nunca desejou um "boi vivo" num churrasco de domingo?).
- Não temos sombra, como constatei recentemente olhando para o chão.

Estou apavorado. Estou começando a achar que eu sou também um vampiro, como todos os outros.

O homem sem sombra

[#143] Dia desses, andando pelas ruas da Capital do Inferno, reparei que eu não tinha sombra. Sim, agora só ando cabisbaixo porque as energias que o sol me traz já se esgotaram e não tenho forças para erguer a fronte diante do mundo. Andando assim, reparei que os sobreviventes da Capital do Inferno não têm sombra. A explicação científica é a refração da luz do sol num dia úmido, nublado e mormacento.

Torcicolo

[#143] Tenho andado cabisbaixo, pois o verão não chega nunca. Resultado: torcicolo. Essa cidade ainda vai me matar.

Eu nunca mais abro a janela do meu quarto num dia cinza

[#142] É uma pena que minha câmera de vídeo esteja estragada. Eu a deixaria ligada bem aqui onde estou, por 1 minuto, só para registrar o meu dilema com a luz. Se ligo a luz elétrica, o ambiente fica muito claro. Se a deixo desligada, a luz que vem da rua não é suficiente para iluminar minhas artimanhas. Estou fazendo uma obra de arte e preciso de luz na medida certa (não pouco senão não enxergo os detalhes, e não muito senão fico com dor de cabeça). Isso porque o dia hoje está mormacento, um nojo.