Sorriso Colgate

[#19] Sabe o que é pior? É ter uma rachadura no canto da boca e NÃO PODER SORRIR por causa disso. Aí eu fico dando aqueles meio-sorriso de "ha-ha, que piada sem graça" e me sinto a pessoa mais falsa do mundo. Se não posso sorrir, me resta chorar. Ó céus, ó vida. Que destino cruel.

Feridas, feridas

[#18] No inverno, as feridas não curam, e o contato delas com água quente causa choques. Como se isso não bastasse, o próprio frio causa feridas: nos cantos da boca (que secam e racham toda vez que abrimos a boca para enfiar uma batata frita goela abaixo), nas narinas (que se machucam por fricção, já que toda hora temos que assoar o nariz para parar a coriza e o ranho da gripe) e, principalmente, na alma das pessoas, que com tantos problemas urbanos ainda têm que enfrentar o inverno e seus castigos, e ficam estressadas.

Cutícula e ferimentos

[#17] O choque que tomei ao lavar a louça, devido a um ferimento mínimo numa cutícula, vai se repetir até o fim do inverno, sempre que eu lavar a louça. No inverno, as feridas NÃO CURAM. Não vou pedir para que uma pessoa se corte propositalmente, só para testar minha teoria. Mas dá para brincar com um gato, ou cortar um pimentão, ou fazer as unhas com cutícula. Qualquer coisica de nada pode causar uma ferida daquelas que a gente nem vê. Agora, aposto como essa maldita feridinha só vai sarar lá por volta de agosto ou setembro. Ou dezembro, do jeito que andam as coisas por aqui. Repito: no inverno, as feridas NÃO CURAM.

Louça quente

[#16] Já que temos que ficar quase pelados para lavar a louça no inverno, então que pelo menos a água não seja tão fria. Fui usar uma pia com aquecimento elétrico. No que pus a mão debaixo da torneira, levei um pequeno choque. Não, não era um choque térmico como os que estou acostumada a levar ao longo dos dias frios da Capital do Inferno. Era um choque elétrico, mesmo. A pia não estava estragada e eu não estava de pés descalços, por isso não morri. O que propiciou o choque foi um pequeno ferimento numa cutícula.

Arregaçando as mangas

[#15] Lavar a louça não é a única situação em que precisamos arregaçar as mangas. Sempre que vamos escovar os dentes, cozinhar, sovar pão, ou até mesmo escrever num teclado de computador, é preciso ter as mãos e os antebraços livres. Porque roupa de inverno é isso: é prisão, é pressão, é um aperto que dói na fundo da alma (que definição emo...). O corpo não se mexe, os braços não se dobram, a cintura não se curva e assim as pessoas deixam de ser pessoas para se transformarem em bonecos. A vida parece ter duas dimensões, e não três ou mais.

Mangas na louça

[#14] E quando as mangas insistem em escorregar e cobrir os braços novamente, cobrindo até a água e a louça toda? Tem solução? Claro! Tirar o casaco. O negócio é lavar a louça de mangas curtas. Foda-se o frio. "Frio é psicológico", dizem os acéfalos.

A louca na louça

[#13] Na hora de lavar a louça, temos que arregaçar as mangas e agüentar a água fria. Parece que o corpo inteiro congela, que a água esfria o sangue e a vontade que dá é de atirar cada prato, cada copo, cada talher no chão. Tem solução? Talvez.

O chá vai ter que curar

[#12] Só de raiva, traumatizada com a lembrança do chimarrão e ainda esperançosa de tomar o chá e não me gripar, resolvi enfrentar a língua queimada e continuar a beber o chá. Esperei mais uns cinco minutinhos, encostei na xícara para ver a temperatura do negócio e... Gelei o dedo. Se o chá estivesse em uma garrafa, seria chamado de Iced Tea. Mas por favor, né? Chá gelado não existe, é uma porcaria sem gosto. Joguei o chá fora. E joguei fora também minhas esperanças de curar a gripe tomando chás, porque se é pra beber ele OU quente demais, OU frio demais (como as sopas na história da Cachinhos Dourados), prefiro me gripar e morrer com a H1N1 que peguei numa maçaneta.

Chimarrento

[#11] O episódio do chá me lembrou o motivo pelo qual eu desisti de tomar chimarrão: se o chá queima a língua, o chimarrão queima logo a garganta. A água sobe fervendo naquele canudinho de ferro que chamam de "bomba" e quando a gente menos espera, tá soltando fumaça pelas ventas. A regra aqui é não tomar chimarrão frio, então como evitar queimaduras internas causadas por água quente?

Um bom chá pra curar

[#10] Então eu chego em casa com os pés úmidos e coçando. Talvez não apareçam frieiras. Mas, com certeza, aparecerá uma gripe. Na tentativa de evitar doenças da forma mais natureba possível, resolvo fazer um chá em vez de ir até a farmácia comprar um remédio (na rua, eu estaria correndo o risco de, no caminho, pegar uma chuva, tomar um banho de poça quando passar um ônibus perto da calçada e pegar H1N1 ao encostar numa maçaneta, então o melhor é ficar em casa tomando chá). Fervi a água, coloquei o saquinho, vim escrever no blog, bebi um golinho e BLARGHHH! Queimei a língua.

Neblina condensada

[#9] Depois de uma semana, o tênis enfim seca. Crio coragem para sair com ele na rua, num dia em que o ar é substituído por uma espessa neblina. Chego em casa à noite com uma sensação estranha nos pés e, ao tirar os tênis, me dou conta de que as meias estão úmidas. Assim como os pés, murchos como se tivessem recém saído do mar. Relembrando cada momento do dia, estranho não ter pisado em nenhuma poça de água. Mas é tão óbvio. Não só os tênis como todo o resto da roupa estavam úmidos. Maldita neblina, se transforma em água quando é tocada por qualquer coisa.

Tênis

[#8] Fui trabalhar. Afinal, eu não vivo de arte. Para trabalhar, precisava que meu tênis estivesse limpo. Afinal, o contrato social deve ter alguma cláusula sobre o asseio das roupas das pessoas. Fui então lavar o tênis. Depois de dois dias o tênis mal e mal secou, e fiquei com medo de calçá-lo porque não queria ter frieiras de novo. Isso que, nesses dois dias, quase não choveu. Imagina se tivesse caído uma chuvarada daquelas, bem tradicional. É, aí sim, eu só iria trabalhar de tênis limpo daqui a uma semana. Na capital do inferno, as roupas não secam. Fica a dica: olhe a etiqueta para ver se não tem a frase "não secar à máquina". A maioria das peças de roupa tem isso. That means, fuck you bitch. Ande nu, ande molhado, mas ande longe deste lugar estúpido.

Céu fechado

[#7] O céu nublado atrasou a vida de centenas de pessoas na manhã de hoje. Os pobres-diabos deveriam chegar de avião à Capital do Inferno, porém uma neblina de praxe impediu-os de sair de onde estavam. Para não dizer que é mentira minha, ou uma opinião sem fundamento, vejam uma fonte: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/05/14/brasil,i=192349/NEBLINA+EM+PORTO+ALEGRE+FECHA+AEROPORTO+SALGADO+FILHO+E+CANCELA+16+VOOS.shtml

Pinga-pinga

[#6] "Pinga-pinga" não é o ônibus que vai parando de cidade em cidade para trocar de passageiros. É meu nariz, que libera gás carbônico a uma temperatura mais elevada do que a temperatura ambiente. Meu nariz não é um problema e meu corpo NÃO É quente. O ar desta cidade é que é tão gelado que transforma o ar que eu respiro em água, antes que ele saia pelas minhas narinas. Resultado: fica pingando o tempo todo, e não é ranho.

Cegueira

[#5] Fui almoçar no restaurante universitário. Clima frio, ar gelado, chuva caindo lá fora, e eu lá dentro diante da comida quente do buffet. Como em qualquer R. U., cada grão de arroz e feijão deveria ser escolhido a dedo, pois em geral eles não são bem cozidos e, portanto, são menos apetitosos. Com esperanças de enxergar melhor a comida que eu pegava com a colher, aproximei a cabeça da panela do buffet. Meus amados óculos, ao invés de melhorarem minha visão, me deixaram cega por alguns minutos: embaçaram com o vapor da comida.

(Antes que algum trouxa me diga que qualquer óculos pode embaçar, eu já adianto que, se a temperatura ambiente não estivesse tão diferente da temperatura do vapor, as gotículas evaporadas não teriam condensado tão rápido. Ou, melhor, teriam se espalhado com mais facilidade pelo recinto, não se concentrando nas lentes dos meus malditos óculos.)

Acabei digerindo um arroz quase cru e peguei uns pedaços de abobrinha que mal consegui comer, pois havia suposto que eram vagens.

Racha

[#4] Acabei, é claro, escovando os dentes assim que acordei - mais por obrigação moral e respeito ao Contrato Social que eu tanto abomino do que por vontade própria. No que abri a boca para enfiar dentro a escova com creme dental, senti um estalo. Era um canto da minha boca que estava seco e rachou. Me sinto agora uma estátua grega velha, praticamente a Vênus de Milo.

Dentes brancos

[#3] É feio dizer, mas confesso que ontem eu não escovei os dentes antes de dormir. A água estava geladíssima e a pia do meu banheiro não tem opção de calefação. Além do quê, já eram três da manhã e eu não estava a fim de dormir com as mãos úmidas e geladas. Devo ter acordado com um bafo de onça, mas não cheguei a descobrir, pois acordei muda e não abri a boca nem para desejar bom dia às pessoas. Isso por falta de ânimo (o dia está horroroso), e não por conta do imaginado bafo.

TRI

[#2] Burocracia interminável para confeccionar meu cartão de ônibus. A papelada ficou um mês retida não sei onde e depois simplesmente me enviaram um e-mail dizendo que o cartão não foi feito por motivos ideológicos. Que merda. Tentei fazer novamente, várias vezes, até que recebi uma mensagem de celular dizendo que meu cartão TRI foi cancelado porque estava ilegal. Como assim, ilegal? Minha função é entregar documentos para que terceiros o façam, e EU QUE PAGO porque terceiros não fazem seu trabalho direito? Quer saber? Vão à merda. Vão todos à merda.

Turbulência

[#1] Um parente viajou de avião, de São Paulo para cá, e quando o avião estava se aproximando da Capital do Inferno, começou uma turbulência. Eu também passei por isso quando voltei de São Paulo, há algumas semanas. Acho que todo mundo passa. Péssimo ar nesta cidade.

Um motivo por dia

Acredito que as pessoas tendam a não gostar das coisas com que convivem por muito tempo, devido a uma necessidade natural de mudança e evolução. Eu nasci em P***o A****e e moro nesta cidade há mais de vinte anos. Para mim, é natural que atualmente eu odeie a capital g****a. Isso ocorre principalmente porque este lugar me congela e me deprime um pouquinho a cada dia, e hoje sou um poço sem fundo de rancor contra a cidade.

Quem me conhece sabe que eu tenho pavor de frio e, mais ainda, das suas conseqüências (as quais procuro evitar sempre). Atribuo ao frio todas as desgraças do mundo, principalmente as minhas. Meus amigos p***o-a****enses me castigam por isso, mas eu não me ofendo nem me apavoro, e sigo achando que esta é a pior cidade para viver.

Por quê, então, eu não me mudo?

Já me mudei. Morei por alguns meses numa linda capital nordestina e me senti outra pessoa enquanto morei lá. Parecia que eu havia nascido de novo, pois tudo era o extremo oposto de P***o A****e. Só que eu fui para lá por conta de um intercâmbio, que é o tipo de oportunidade que dura pouco. Quando voltei ao sul do país, levei um choque cultural tão grande que queria abandonar a faculdade e ganhar a vida fazendo malabarismos no semáforo.

O problema é que tudo o que me impede de morar em outra cidade é básico na minha vida: casa, comida, roupa lavada, estudos de graça, um trabalho digno, animais de estimação que trato como FILHOS e tenho algo que é muito difícil de conseguir no R*o G****e do S*l: meia dúzia de amigos. Todas essas coisas me sustentam, e enquanto eu não aboli-las da minha vida pacata, não vou me mudar.

Numa situação de injustiça, eu tenho uma tendência maior a sentir raiva do agressor, em vez de sentir pena do agredido. Assim, eu não consigo ter pena de mim mesma, tamanha a raiva que sinto por P***o A****e. Felizmente, isso me impede de cair numa depressão profunda e suicida. Ao contrário do que David Lynch recomenda no seu livro de auto-ajuda, eu sou daqueles artistas que precisam de uma emoção forte para criar. Minha vida é costurada por um fio de raiva que, em vez de me dar inspiração para explodir bombas nas ruas da cidade, me fez criar este blog.

Vou escrever, aqui, cada dia, um novo motivo para odiar P***o A****e e seu frio desgraçado. Eu já estou acostumada a fazer isso mentalmente, repetindo um certo mantra assim que acordo, então não vou ter problemas ao compartilhar isso na web. Não planejo convencer os leitores de que a minha opinião vale alguma coisa, e não pretendo ofender ninguém com minhas revoltosas palavras.

Assim como existem blogs de pessoas que amam a França e a Amèlie Poulain, de pessoas que amam chocolates, de pessoas que amam qualquer coisa, eu quero ter o direito de ter um blog do tipo "eu odeio". Espero chegar a um milhão de postagens, para que um dia eu possa dizer "tenho um milhão de motivos para não viver aqui" - e eu estarei sendo literal, como poderá ser constatado por qualquer um.

Se alguém se ofender com isso, que seja então o prefeito da cidade, com um mandato de deportação e uma passagem só de ida para o Caribe, onde eu vou ser a exilada mais feliz do mundo. Hasta la vista, capital do inferno.