Prometeu

[#151] Finalmente, UM dia de sol em pleno Inferno. Foi ontem. Quisera eu que fosse o primeiro de muitos. Todos os dias, quando acordo, olho para a janela e o que eu vejo define o meu dia. Ontem, pela primeira vez em muitos meses, eu vi sol. Tímido, tentando se esconder sob algumas nuvens, ele brilhava e me convidava para curtir o dia. Eu não pensei duas vezes, apertei o botãozinho do foda-se e fiz tudo o que eu queria. Não estudei para a prova de hoje, não fui trabalhar voluntariamente, não li o material do projeto de pesquisa, não fiz nada que fosse obrigação. Almocei o que eu quis, na hora que deu fome, e passei a tarde confeccionando uma cabeça de palhaço, sentado no pátio dos fundos, TOMANDO BANHO DE SOL. Nada como unir o útil ao agradável, não? Me entupi de protetor solar, coloquei uma roupa de banho e fiquei horas fazendo papelagem naquela cabeça sorridente. Quatro horas da tarde, quando o sol já havia feito o seu serviço, eu estava me sentindo a pessoa mais poderosa do mundo, e fui correr. Depois da corrida, dei uma volta com o cachorro. Depois da volta com o cachorro, fui para a aula de circo. Depois da aula, fui jantar num bar com meus amigos circenses. Depois da janta, eu não queria nem saber de dormir. O dia estava maravilhoso, não podia terminar! Ainda consegui mandar um e-mail simpático para a pessoa por quem eu venho me apaixonando todos os dias. Quando pensei em meditar, terminou o meu conto de fadas.

Eu estava desligando o computador quando, ferindo o silêncio da noite, pingos de chuva começaram a bater no telhado, no pátio, nas portas e nas janelas. Eu só posso estar ficando louco. É o nirvana. Acho que transcendi. Não, eu estava inteiro, diante do computador. A chuva era real. Eu não podia acreditar, então comecei a sonhar antes mesmo de dormir. Acabei acordando tarde, e quando eu olhei pela janela, fiz questão de dormir de novo. Acordei mais uma vez, ainda mais tarde, sem um pingo de vontade de viver. Eu não sentia fome, nem frio, nem calor, nem amor, nem ódio, nem nada. Tive um dia insosso. Pior do que ter os piores sentimentos do mundo é não ter sentimento algum, como se nada ao meu redor pudesse me afetar. Estive todo atrapalhado, perdi as horas, troquei a ordem das atividades, não dei a mínima bola pra prova da faculdade. E estou assim até agora, ainda sem entender como é que pode existir um dia tão lindo e fantástico entre tantos e tantos dias horríveis. Como é que se pode ir do sol à chuva em tão pouco tempo?

De ontem para hoje, caí de um abismo. Como Prometeu, estou acorrentado numa rocha escura e gelada, e todos os dias vem um corvo comer o meu fígado. Para quem não conhece a saga do Prometeu, fica uma pista: seu maior crime foi ter roubado o fogo para dar aos mortais. E eu, mal e mal desejando um pouquinho de sol, já pago pelos pecados do mundo. Caramba, acho que este blog é a prova do meu crime.