Acredito que as pessoas tendam a não gostar das coisas com que convivem por muito tempo, devido a uma necessidade natural de mudança e evolução. Eu nasci em P***o A****e e moro nesta cidade há mais de vinte anos. Para mim, é natural que atualmente eu odeie a capital g****a. Isso ocorre principalmente porque este lugar me congela e me deprime um pouquinho a cada dia, e hoje sou um poço sem fundo de rancor contra a cidade.
Quem me conhece sabe que eu tenho pavor de frio e, mais ainda, das suas conseqüências (as quais procuro evitar sempre). Atribuo ao frio todas as desgraças do mundo, principalmente as minhas. Meus amigos p***o-a****enses me castigam por isso, mas eu não me ofendo nem me apavoro, e sigo achando que esta é a pior cidade para viver.
Por quê, então, eu não me mudo?
Já me mudei. Morei por alguns meses numa linda capital nordestina e me senti outra pessoa enquanto morei lá. Parecia que eu havia nascido de novo, pois tudo era o extremo oposto de P***o A****e. Só que eu fui para lá por conta de um intercâmbio, que é o tipo de oportunidade que dura pouco. Quando voltei ao sul do país, levei um choque cultural tão grande que queria abandonar a faculdade e ganhar a vida fazendo malabarismos no semáforo.
O problema é que tudo o que me impede de morar em outra cidade é básico na minha vida: casa, comida, roupa lavada, estudos de graça, um trabalho digno, animais de estimação que trato como FILHOS e tenho algo que é muito difícil de conseguir no R*o G****e do S*l: meia dúzia de amigos. Todas essas coisas me sustentam, e enquanto eu não aboli-las da minha vida pacata, não vou me mudar.
Numa situação de injustiça, eu tenho uma tendência maior a sentir raiva do agressor, em vez de sentir pena do agredido. Assim, eu não consigo ter pena de mim mesma, tamanha a raiva que sinto por P***o A****e. Felizmente, isso me impede de cair numa depressão profunda e suicida. Ao contrário do que David Lynch recomenda no seu livro de auto-ajuda, eu sou daqueles artistas que precisam de uma emoção forte para criar. Minha vida é costurada por um fio de raiva que, em vez de me dar inspiração para explodir bombas nas ruas da cidade, me fez criar este blog.
Vou escrever, aqui, cada dia, um novo motivo para odiar P***o A****e e seu frio desgraçado. Eu já estou acostumada a fazer isso mentalmente, repetindo um certo mantra assim que acordo, então não vou ter problemas ao compartilhar isso na web. Não planejo convencer os leitores de que a minha opinião vale alguma coisa, e não pretendo ofender ninguém com minhas revoltosas palavras.
Assim como existem blogs de pessoas que amam a França e a Amèlie Poulain, de pessoas que amam chocolates, de pessoas que amam qualquer coisa, eu quero ter o direito de ter um blog do tipo "eu odeio". Espero chegar a um milhão de postagens, para que um dia eu possa dizer "tenho um milhão de motivos para não viver aqui" - e eu estarei sendo literal, como poderá ser constatado por qualquer um.
Se alguém se ofender com isso, que seja então o prefeito da cidade, com um mandato de deportação e uma passagem só de ida para o Caribe, onde eu vou ser a exilada mais feliz do mundo. Hasta la vista, capital do inferno.