[#50] Como comemoração ao meu 50º post neste blog, vou contar uma historinha. É a historinha do porquê eu não tenho carteira de motorista, ou melhor, de piloto de motocicleta.
Estava eu, bem feliz nas aulas da moto-escola, treinando para o grande teste. Como meu horário livre era meio-dia, eu ia todos os dias de bermuda e ficava até com as pernas bronzeadas, de tanto dar voltas naquele 8. Nos dois meses de aula, cheguei a sofrer duas quedas: uma por distração (não estava acostumada à manopla do freio) e outra porque um outro aluno se distraiu e tentou me atropelar.
No dia do teste, levantei cedo, pois seria logo no início da manhã. Preparada eu estava, ansiosa para tirar carteira. Mas a Capital do Inferno preparava uma emboscada que tornou aquele dia um dos mais importantes da minha vida - e um dos principais motivos por que DETESTO esta capital. Na pista de teste, botei o capacete, arrumei os espelhos, liguei a moto e deu tudo certo... Até trocar de marcha. Fui fazer uma curva e a moto morreu. Rodei na hora.
Fui ver se havia algo errado com a moto e, não, estava tudo perfeito. Exceto pelo fato de que a água da chuva havia diminuído o atrito entre as peças do câmbio e o pedal escapou, voltando para o neutro sem que eu tivesse feito COISA ALGUMA.
Voltei para casa chorando de raiva, numa clássica cena de cinema (ou de videoclipe) em que o protagonista, emburrado, veste um capuz e caminha sob a chuva, cabisbaixo, com as mãos nos bolsos, enquanto trovões tentam raptar sua atenção. Mentira. Eu não tinha capuz nem bolsos, somente uma pochete com minha carteira de identidade e as chaves de casa. Eu tinha ódio circulando pelas veias, e acho que naquele momento eu criei uma bolha em torno do meu corpo, pois sentia tudo menos a chuva que me encharcava.
Assim que pus os pés em casa, furioso, a chuva aumentou e se transformou num toró desgraçado. No mesmo dia, eu teria a última aula de carro, para fazer o teste no dia seguinte. Acabei indo à aula, mesmo com aquela chuvarada. O instrutor estava com medo de mim, e eu mesmo estava me sentindo uma ameaça no volante. Os vidros estavam embaçados e mesmo o vento não era feliz na sua tarefa de desviar os pingos da minha direção. No fim, eu não enxergava nada e minha vontade era de enfiar a porra do carro no meio de um poste, só para destruir aquela máquina mortífera, barulhenta e poluidora.
Então, graças à chuva, não tenho carteira de motorista. Joguei no lixo algumas centenas de reais que até hoje me fazem falta. A raiva é tamanha que não consigo nem chorar: só penso em ir embora, abandonar essa merda toda, apagar da memória todos os males que essa cidade já me causou. Hoje em dia eu até me orgulho de não ter carteira de motorista, pois prefiro alternativas menos agressivas à natureza. Só que isso não teria ocorrido se não fosse por uma mistura de culpa, raiva, negação, trauma, recalcamento - como aquelas crianças que, ao não poder ter alguma coisa, afirmam "eu nem queria, mesmo!". Talvez Freud explique melhor. Eu, aqui, me limito a explicar que a Capital do Inferno é o pior lugar para se viver, e eu sou prova suicida disso.