Coisa de cinema

[#47] Por quê será que, no cinema, as cenas mais tristes têm referências ao inverno? Alguém morreu: chove. Alguém está com raiva: cai um trovão. Alguém está com saudades: venta. Alguém quer alguém: faz frio.

Depois de algumas aulas de cinema e muitas (bem mais proveitosas) de mitologia e artes, me dei conta de que os clichês são usados porque funcionam. Eles não funcionam porque um dia, depois de tanto serem usados, seus elementos se tornaram convencionais (ou, melhor, convencionados). Os clichês funcionam porque provêm dos lugares mais obscuros da mente humana, que Freud chamaria de inconsciente e Jung, de inconsciente coletivo. Talvez alguns russos diriam que é memória cultural. Talvez outros estudiosos chamem simplesmente de absoluto, em analogia com o próprio Deus. O que importa é que os clichês são apenas manifestações físicas de algo que não é um sentimento, não é um pensamento, não é uma criação humana, não é tangível mas existe.

É como se, assim como todas as pessoas têm propensão a sentir frio em determinadas condições climáticas, todas as pessoas têm propensão a associar o frio a situações ruins e tristes. Na minha teoria, isso é natural, e não cultural.

Por isso, esses recursos imagéticos associativos, usados no cinema, na televisão e nos meios digitais, funcionam com todo mundo (é como se houvesse uma identificação coletiva inconsciente). O problema é que, como se repetem demais, acabam sendo chamados de "clichês" e, depois de algum tempo, "perdem a graça", perdem o efeito de emocionar. As pessoas começam a achar que o negócio está muito batido e, de birra, só para contrariar todo mundo, dizem preferir os vídeos que rompem essa "tradição", em filmes que elas chamariam de vanguardistas (SÓ nesse sentido de não associar "chuva" com "lágrimas").

Em homenagem à imparcialidade, cito abaixo três cenas famosas que quebram a associação entre frio e infelicidade:
- O beijo na chuva, no filme do Homem-Aranha.
- O cara cantando na chuva, em "Cantando na chuva".
- O casal brincando de fazer anjos na neve, em "Brilho eterno de uma mente sem lembranças".

Em homenagem a mim mesma e à minha natureza (humana, infelizmente), continuo detestando qualquer manifestação do inverno, mesmo nos filmes. Grande coisa se Hollywood associa isso à negatividade, grande coisa se é batido e se é clichê. Foda-se tudo. Só de pensar nessas cenas do Homem-Aranha, do Brilho Eterno e do Cantando na chuva eu chego a sentir uma dor no coração. Certamente, os atores queriam matar o diretor ao filmar essas cenas.