Da barriga pra fora

[#103] Pois é, agora pensei no outro lado da história. Se pra uma grávida é um pesadelo morar na Capital do Inferno, imagina nascer aqui. A criança mal nasce, já tem que andar entupida de panos e cobertores. Por isso usar coeiros faz muito sentido na Capital do Inferno. Só que deve ser traumatizante para um recém-nascido saber que ele se mexia mais dentro da barriga da mãe do que fora dela. Uma das características mais naturais do ser humano, o movimento, é banido logo após o parto. Depois vira uma criança tímida e ninguém sabe por quê.

Como se não bastasse ter que viver enfiado em cobertores, o bebê tem que usar fraldas. Mais do que isso, tem que trocar fraldas. Não é só ir no banheiro, cagar e dar a descarga. Tem todo um ritual que vai desde dispor de uma mesa, uma cama ou uma tábua até esfregar um lenço umedecido (gelaaaaado!) no rabo do coitadinho. Quando isso não é suficiente pra evitar assaduras e choradeiras, tem que usar um Hipoglós (gelaaaaaado!). Pobre da criança.

Aí o bebê chora, quer mamar. Lá vai a mãe colocar a teta pra fora, mas até encontrar o sutiã, depois de levantar umas quatro ou cinco camadas de roupa, o bebê já está desidratado e rouco de tanto chorar. A mãe pensa "tomara que ele cresça logo e passe pra mamadeira". Sim, logo ele vai tomar mamadeira. Mas é bom lembrar que o leite vai esfriar num segundo. Talvez seja melhor inventar uma mamadeira térmica.

Se passa um ano, e no meio dessa passagem nós temos o verão (sic) da Capital do Inferno. Na verdade, são uns poucos dias em que o sol aparece para dizer que existe, cuspir um fodam-se na nossa cara e sumir no Equador. Depois disso, o infeliz bebê geminiano comemora seu 1º aninho. Mais um pesadelo... Ele devia aprender a se sustentar sobre duas pernas e parar de engatinhar. Mas, com tantas camadas de roupa e mais uma fralda cagada, ele não tem forças para levantar do chão, quanto mais de manter o equilíbrio.

Acho que quando a espécie humana quiser se extinguir, basta que as pessoas vivam uns anos aqui. Elas morrerão, pois não se procriarão, não terão convívio social, não farão nada além de se encolher num canto e se cobrir de roupas. Não existirá cultura. A sobrevivência é impossível. Ao pensar nas crianças que aqui são paridas, eu não sei o que sentir. Diante de tanta desgraça, não sei se tenho pena, ódio, medo, orgulho. Não sei, não sei!

"Eu não sei o que quero, mas sei o que não quero" - então já tenho meio caminho andado.